Em janeiro de 2023, a Colúmbia Britância foi a pioneira ao descriminalizar posse de drogas pesadas, enfrentando resistência, mas priorizando redução de danos.
A descriminalização de drogas pesadas tem sido um tema controverso em muitos países ao redor do mundo. No entanto, é importante considerar que essa medida pode ser uma alternativa viável para reduzir os índices de criminalidade e promover uma abordagem mais humanitária para lidar com o problema das drogas.
A legalização do uso de entorpecentes pode abrir novas possibilidades de tratamento e prevenção para aqueles que sofrem com o vício em substâncias ilícitas. É crucial estudar de perto os impactos dessa medida e garantir que as políticas adotadas sejam eficazes no combate ao tráfico de drogas e na proteção da saúde pública.
Descriminalização de drogas pesadas: a luta contra a crise mortal
Todas as segundas-feiras, o ex-prefeito de Vancouver, Kennedy Stewart, recebia um e-mail que listava todas as pessoas que haviam morrido na cidade por overdose de drogas na semana anterior. Um dia, há cerca de três anos, essa lista incluía o nome de um parente — Susan Havelock, a irmã de seu cunhado. ‘Ela morreu aqui na rua às duas da manhã’, disse Stewart à BBC, em seu escritório no centro de Vancouver, apontando para fora da janela. ‘Quando isso atinge sua família, você começa a ver o quão desesperadora é toda essa situação.’ A América do Norte está no meio de uma grande crise de drogas.
As overdoses fatais atingiram um pico que superou os 112 mil nos Estados Unidos pela primeira vez no ano passado.
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No Canadá, em nenhum lugar esta questão é sentida de forma mais aguda do que na Colúmbia Britânica, onde a situação foi declarada pela primeira vez como uma emergência de saúde pública em 2016.
No ano passado, a província registou um recorde de mais de 2,5 mil mortes por overdose. Estima-se que cerca de 225 mil pessoas usem drogas ilegais na província canadense, e especialistas dizem que o fornecimento de drogas nas ruas — que trazem misturas de fentanil e outros produtos — coloca cada uma delas sob risco de morte.
Legalização e uso de entorpecentes: a política enfrenta o futuro dela
Em janeiro de 2023, na tentativa de enfrentar a crise, a Colúmbia Britância tornou-se a primeira — e a única — província do Canadá a descriminalizar a posse de uma pequena quantidade de drogas pesadas, para ‘reduzir as barreiras e o estigma’ que impedem aqueles com dependência grave de drogas em buscar ajuda e tratamento que salvam vidas.
O programa do governo, que funciona numa fase piloto até 2026, permite que adultos portem até 2,5 gramas de heroína, fentanil, cocaína ou metanfetamina sem serem presos, acusados ou verem as suas drogas apreendidas, exceto perto de escolas e aeroportos.
Emergência de saúde pública: resistência à descriminalização de drogas pesadas
Porém, pouco mais de um ano após o início do projeto, o programa está sob pressão crescente de alguns residentes e opositores políticos, que o consideraram uma ‘experiência prejudicial’ implementada sem salvaguardas para o restante público. Outros a descrevem como uma experiência que ‘falhou completamente’ na redução das mortes por overdose de drogas.
Desde então, a Colúmbia Britânica apresentou um projeto de lei que expandiria os locais onde o uso de drogas é proibido para incluir não apenas escolas e aeroportos, mas também playgrounds e as proximidades de residências e empresas — uma medida que foi bloqueada, por ora, pela Suprema Corte da província devido às preocupações de que causaria ‘danos irreparáveis’ às pessoas que usam drogas.
Redução de danos: a importância da descriminalização de drogas pesadas
Agora, os defensores da descriminalização temem que a adesão pública a esta política diminua. ‘É realmente lamentável’, disse Fiona Wilson, subchefe do Departamento de Polícia de Vancouver, que também atua como presidente da Associação de Chefes de Polícia da província.
‘No final das contas, estamos todos remando na mesma direção, pois não queremos criminalizar as pessoas em virtude do uso de drogas, uma vez que isso deveria ser encarado como uma questão de saúde.’ Trata-se de um debate que afeta não apenas grandes cidades como Vancouver, mas também lugares como Port Coquitlam, um subúrbio de 60 mil habitantes, rico em trilhas para caminhada, parques públicos e residências pequenas, que têm apenas um morador.
Nesse local, houve uma briga durante uma festa de aniversário infantil que foi ‘a gota d’água’ para o prefeito Brad West. West disse à BBC que uma família avistou uma pessoa usando drogas perto da festa, realizada em um parque local. Confrontado, o indivíduo recusou-se a sair, segundo o relato do prefeito. ‘Isso para mim é inaceitável’, afirmou West, acrescentando que a polícia tinha o direito de intervir nessa situação.
Surgiram histórias em outros lugares sobre apetrechos para drogas encontrados em parques e sobre cães que ingeriram acidentalmente opioides encontrados no chão. Em junho, Port Coquitlam aprovou por unanimidade um estatuto próprio para restringir o consumo público de drogas.
A política contra as substâncias ilícitas: retrocessos e desafios
Outras jurisdições seguiram o mesmo exemplo. A descriminalização baseia-se no argumento de que a guerra contra as drogas falhou — e que prender pessoas com dependência grave poderia aumentar a probabilidade de overdose, forçando-as a encontrar alternativas que podem ser letais.
Um registro criminal também pode impedir esses indivíduos de encontrar um emprego estável, reduzindo a possibilidade de recuperação. ‘Fiquei preso durante nove meses por meio grama de cocaína’, conta Guy Felicella, um defensor da redução de danos causados pelas drogas. Ele mora em Vancouver e se recuperou do vício em drogas após seis episódios de overdose em 2013.
A descriminalização, segundo ele, o teria ajudado a reduzir o medo de ser punido legalmente — um temor que o forçou a consumir drogas em locais privados, fora da vista de outras pessoas para quem poderia pedir ajuda caso tivesse uma overdose.
Um olhar para o futuro da política sobre drogas pesadas
Portugal, país onde as drogas foram descriminalizadas em 2001, tem taxas de mortalidade relacionadas ao abuso de substâncias que são significativamente mais baixas do que o observado em outros países. O sucesso lusitano inspirou esforços tanto na Colúmbia Britânica como no Estado americano de Oregon, que descriminalizou as drogas em 2020.
Porém, nas três localidades, a política enfrentou resistência. No Oregon, por exemplo, os legisladores reverteram completamente a iniciativa em março, depois de ela ter sido responsabilizada pelo aumento da desordem pública e do consumo de drogas.
Na Colúmbia Britânica, que tem um histórico de defesa da redução de danos, o esforço do governo para rever a política de descriminalização foi contestado em tribunal devido a preocupações de que levaria a…
Fonte: © G1 – Globo Mundo