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Em comunidades no Facebook e Telegram, membros publicam imagens femininas para criar deepfakes pornográficos por meio de manipulações digitais. (142 caracteres)
Alerta: Este artigo contém informações que podem ser perturbadoras para algumas pessoas. Durante a pausa do seu expediente como garçom em um café de Curitiba, João* se deparou com uma série de comentários de ódio contra as mulheres em uma postagem nas redes sociais. Ele sentiu um misto de revolta e tristeza ao ler as mensagens carregadas de preconceito e agressividade.
Enquanto refletia sobre a situação, João percebeu que aquela atitude refletia uma profunda misoginia enraizada na sociedade. Decidiu então compartilhar a postagem com seus colegas de trabalho, na esperança de promover a conscientização e o combate a esse tipo de comportamento. A luta contra as mulheres e a busca por igualdade de gênero se tornaram ainda mais urgentes em sua mente.
Manipulações Digitais e Comunidades no Telegram
Era um alerta que desencadeou um turbilhão do qual ela ainda não conseguiu escapar. Em meio às mensagens, duas mulheres denunciavam que uma foto de Ana ao lado de sua mãe, capturada durante uma festa de Natal, havia sido adulterada e transformada em uma imagem onde ambas apareciam nuas. Essa imagem estava sendo disseminada na internet, acompanhada do link para o perfil de Ana no Instagram. O impacto foi avassalador.
Minha mãe, a pessoa que mais amo na vida, uma senhora religiosa de 65 anos. Só de recordar a foto, de ter que revê-la, me sinto mal. Até hoje, ela não tem conhecimento do que aconteceu, desabafa Ana à BBC News Brasil. Apesar do choque inicial, a jovem bartender de 25 anos logo percebeu a conexão entre a imagem manipulada e uma postagem que havia feito no Facebook. Era uma clara retaliação. Em maio, Ana havia compartilhado um aviso sobre participantes de uma comunidade na própria rede social que estavam produzindo deepfakes pornográficos a partir de fotos de colegas, vizinhas ou parentes.
Nessas manipulações, um corpo nu era inserido digitalmente no lugar do corpo vestido da pessoa na foto original, ou o rosto da vítima era sobreposto a cenas de conteúdo sexual. O avanço da inteligência artificial tem tornado essas montagens, conhecidas como deepfakes, cada vez mais realistas, alertam os especialistas. São como os antigos ‘photoshops’, porém com capacidades ampliadas. Decidida a agir, Ana iniciou sua própria investigação para identificar os responsáveis por esse grupo.
Ela observou que comunidades desse tipo costumam ser removidas pelo Facebook em algum momento, devido às violações das regras da plataforma. No entanto, ressurgem com nomes levemente modificados e sobrevivem por alguns dias antes de serem banidas novamente. Esse período é suficiente, segundo Ana, para que essas páginas alcancem seu objetivo: promover comunidades de pornografia deepfake que operam dentro do aplicativo de mensagens Telegram. Foi o que aconteceu com a página do Facebook onde a imagem de Ana e sua mãe foi inicialmente compartilhada, que se transformou em uma comunidade no Telegram com quase 2 mil membros.
Ana optou por ingressar no grupo e observar o que ocorria por lá. Durante a investigação da BBC News Brasil, foi possível testemunhar participantes da comunidade no Telegram solicitando deepfakes pornográficos com base em fotos de mulheres que afirmavam conhecer. Após algum tempo, quem fez o pedido recebia de volta a imagem manipulada. Em uma das mensagens, uma selfie comum de uma mulher vestida foi transformada digitalmente para que ela aparecesse nua.
Misoginia nas Comunidades Digitais
Nos diálogos do grupo, os participantes exibiam uma postura de extrema hostilidade em relação às mulheres. Uma mensagem destacava: ‘Mulher calada ou está lavando louça ou dando para o marido depois do trabalho’. Outra acrescentava: ‘Ou apanhando’. A misoginia estava evidente nas interações, com comentários como ‘Mulher é um ser maligno e também é o ser mais falso da’. A disseminação do ódio contra as mulheres e a propagação de deepfakes pornográficos são reflexos perturbadores do lado sombrio das comunidades online.
Fonte: © G1 – Tecnologia