O antropólogo Claudio Lomnitz explora a ligação entre crença religiosa e brutalidade dos narcocultos mexicanos em seu livro sobre teologia e violência.
Importante: esta reportagem contém detalhes que podem ser perturbadores para alguns leitores. É surpreendente como o crime organizado consegue se manter estruturado e operante em diversas partes do mundo, mesmo diante de operações policiais e mudanças políticas.
No entanto, a luta contra o crime de gangues e das facções continua sendo uma prioridade para as autoridades, que tentam conter a ação dos delituosos e garantir a segurança da população.
Teologia por trás do Crime de Gangues
Seria viável conceber uma teologia por trás de gangues armadas que, sem qualquer piedade, sequestram, torturam, matam e esquartejam seus rivais e traidores, indo até o extremo de ingerir carne humana?
A brutalidade dos grupos delituosos é algo que intriga o antropólogo Claudio Lomnitz, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que acredita na existência de uma espiritualidade que oferece sustentação moral a essas práticas.
No seu livro Para una Teología Política del Crimen Organizado (‘Para uma teologia política do crime organizado’, em tradução livre), Lomnitz mergulha no universo das crenças religiosas do crime organizado e sua relação com as estruturas de poder.
A soberania que os grupos do crime organizado buscam, segundo Lomnitz, se baseia em cultos que funcionam à margem das instituições estabelecidas, através do que ele chama de ‘soberanias paralelas’ ao Estado. É nesse contexto que surge o canibalismo entre os grupos criminosos, conforme relata o antropólogo.
Cultos e Teologias Entre os Grupos do Crime
A questão das crenças religiosas desse tipo de burocracia militar do crime organizado é algo complexo, conforme explica Lomnitz. Essas ‘soberanias’ precisam criar sua própria moral, quase como uma sociedade secreta dentro da sociedade dominante, capaz de realizar práticas repudiadas por todos.
Para isso, eles desenvolvem práticas religiosas muito particulares e altamente diferenciadas, buscando se afastar da moralidade predominante. O antropólogo destaca a importância de compreender a teologia do crime organizado para entender a base de sustentação desses grupos.
Implicações Políticas e Sistemas Paralelos
O México é um cenário de múltiplas soberanias do crime organizado, que tentam se organizar de forma a se assemelhar a um Estado. Essas entidades paralelas apresentam uma espécie de burocracia militar que visa estabelecer uma estrutura de poder própria, chegando a distribuir presentes e alimentos para obter reconhecimento e adesão dos habitantes locais.
A formação desses sistemas políticos paralelos, como explica Lomnitz, é fundamental para compreender a dinâmica do crime organizado e suas relações com a sociedade em geral. A presença de cultos, crenças religiosas e rituais específicos é parte integrante desse mecanismo de poder.
A Evolução do Canibalismo no Crime Organizado
Uma das práticas mais chocantes associadas aos grupos do crime organizado é o canibalismo, que se desenvolve ao longo do tempo em três etapas distintas. Desde os infames narcossatânicos até a imposição do teste de comer carne humana como parte do recrutamento, o canibalismo é um elemento ritualístico que desafia os limites da moral pública.
Lomnitz relata momentos sinistros em que o canibalismo se torna uma prática cada vez mais integrada às atividades dos grupos criminosos, chegando ao ponto de preparar e servir carne humana em banquetes festivos. Essa forma extrema de violência e transgressão demonstra a complexidade das crenças e rituais dentro do crime organizado.
Fonte: © G1 – Globo Mundo