Estudos mostram ligação entre dieta rica em ultraprocessados e doenças crônicas. Impacto no IMC, problemas cardiovasculares e uso inadequado de novos medicamentos.
A epidemia da obesidade se alastra velozmente, afetando cada vez mais pessoas em todo o mundo. Os números alarmantes indicam que a prevalência do excesso de peso tende a crescer de maneira preocupante, impactando não apenas a saúde física, mas também a saúde mental. O ganho de peso descontrolado está associado a uma série de doenças crônicas, reduzindo a qualidade de vida dos indivíduos e aumentando os custos com saúde pública.
A luta contra os quilos extras se torna cada vez mais desafiadora, exigindo ações conjuntas e efetivas por parte da sociedade e das autoridades de saúde. É fundamental promover a educação alimentar, incentivar a prática de atividades físicas e combater o sedentarismo para conter o avanço da obesidade e suas graves consequências ao bem-estar físico e mental. Cada pessoa, independentemente de sua idade ou condição social, pode contribuir para reverter essa tendência preocupante, adotando hábitos saudáveis e priorizando o bem-estar em todas as esferas da vida.
Metade das crianças e o aumento da obesidade
Pior: metade das crianças estará com índice de massa corporal (IMC) elevado em questão de uma década. Ainda que tenhamos à mão um novo leque de medicamentos e procedimentos para deter os quilos extras, o problema continua a surgir e a ser alimentado desde cedo, na infância, e o cenário é ainda mais preocupante em nações de baixa e média renda, como o Brasil.
A explosão da obesidade pelo mundo ocorre em meio a uma profusão, na última década, de estudos que acusam uma relação entre a doença crônica (sim, doença!) e uma dieta exagerada em alimentos ultraprocessados, os industrializados tão palatáveis que costumam exceder nas taxas de açúcar, sódio e gordura.
Consequências ao bem-estar físico e mental
Quando se soma a essa oferta calórica o sedentarismo, tem-se a receita para o ganho de peso e a série de enfermidades provocadas por ele — rol que envolve de problemas cardiovasculares e diabetes a desordens articulares e câncer. Há uma bomba armada, a ameaçar vidas e os cofres dos sistemas de saúde.
A equação de comer menos e se mexer mais, fórmula simples e inteligente para combater a obesidade, parece não ser suficiente para reverter as curvas do descontrole. ‘O problema não vai ser solucionado apenas com ações individuais’, diz o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Relação entre a doença crônica e uma dieta exagerada em alimentos ultraprocessados
‘As pessoas compram alimentos baratos e de fácil consumo porque é o que cabe no orçamento e na rotina delas.’ Está se desenhando um consenso de que, sem medidas de alcance coletivo, pouco resultado poderá surtir diante de um nó que, para alguns especialistas, é o maior desafio de saúde pública do século XXI.
Em desatada sangria, o planeta atingiu a marca de 1 bilhão de pessoas que vivem com obesidade, de acordo com análise publicada pelo periódico científico The Lancet a partir de dados de 220 milhões de pessoas com 5 anos ou mais de 190 países. Em um trabalho que envolveu 1 500 pesquisadores, foi comprovado o aumento significativo das taxas entre 1990 e 2022.
Problemas cardiovasculares e desordens articulares
Para as mulheres, o salto em prevalência foi de 8% para 18%. Nos homens, decolou de 4% para 14%. Em crianças e adolescentes, os números absolutos impressionam: em 1990, eram 31 milhões; agora, são mais de 159 milhões.
Nos dados do Atlas, minerados pela Federação Mundial de Obesidade (WOF, na sigla em inglês), o Brasil tinha 34% da população de 5 a 19 anos vivendo com a condição em 2020, ano em que a pandemia de Covid-19 eclodiu, totalizando 15,6 milhões de pessoas.
Cirurgias metabólicas e novos medicamentos
A expectativa é que, nesse ritmo, ela alcance 20,4 milhões de brasileiros em 2035. O público infantil é o que atrai a maior atenção, pois está sendo exposto precocemente a um contexto péssimo para a saúde: alta oferta de alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes (macarrão instantâneo, salgadinho, bolacha recheada, refrigerante…) e horas a fio em frente às telas.
‘É urgente agir agora na prevenção da obesidade infantil sensibilizando as famílias’, diz o cirurgião bariátrico Cid Pitombo, pesquisador da Unicamp e especialista no tema. Embora não seja a única culpada na história, a alimentação desequilibrada é um dos principais fatores por trás da conjuntura atual.
Uso inadequado de medicamentos para obesidade
É o que reforça uma robusta revisão de estudos divulgada no British Medical Journal (BMJ), contemplando informações de quase 10 milhões de pessoas. A análise descortina uma ligação direta entre o consumo desses industrializados e o maior risco de 32 condições — dos reveses ao coração a descompassos respiratórios e mentais. ‘Esses alimentos prejudicam a saúde e encurtam a vida’, cravou no editorial da publicação o médico brasileiro Carlos Monteiro, professor da USP e referência internacional no tema.
Foi ele e sua equipe que criaram o conceito de ultraprocessados, redutos de ingredientes e aditivos capazes de comprometer o organismo quando ingeridos com frequência. Direto ao ponto: inúmeras vezes, esses itens roubam o lugar nas refeições e lanches de opções naturais e mais saudáveis, como frutas, grãos e hortaliças.
Impacto do uso inadequado de medicamentos na obesidade
Contudo, a febre desencadeada pelo Ozempic teve efeitos colaterais danosos — tudo puxado por uma onda de uso inadequado, sem receita, disseminada inclusive por celebridades e influencers. O que era um recurso para encarar o diabetes e a obesidade virou antídoto estético.
Mas não funciona assim! ‘Não há investigações nem garantias de benefícios com esse tipo de uso. É fundamental que o remédio seja indicado por um profissional para pacientes que preencham critérios específicos’, disse a VEJA Florian Baeres, VP de assuntos médicos da Novo Nordisk.
Desafios e dilemas da batalha contra a obesidade
A corrida pelo produto acabou desembocando em uma série de episódios de falsificações, que renderam alerta até da Organização Mundial da Saúde (OMS). Pois é, não bastassem todos os desafios e dilemas enfrentados pela população acima do peso, ainda surgem promessas infundadas e injeções pirateadas no mercado.
No fundo, da alimentação à medicação, a impressão é de que necessitamos de um choque de realidade para reverter as curvas da obesidade. Um compromisso que exige o envolvimento coletivo, em todo o mundo.
‘É uma briga de Davi e Golias’ Um dos pais do termo ‘ultraprocessados’ e do Guia Alimentar para a População Brasileira, que completa dez anos, o pesquisador Carlos Monteiro é um dos críticos da onipresença desses alimentos industrializados, cujo consumo está ligado a ganho de peso e doenças. Como se deu o desenvolvimento da ideia de alimentos ultraprocessados? Foi uma criação coletiva.
Quando publicamos a classificação pela primeira vez, em 2009, colegas de língua inglesa acharam a ideia interessante, mas disseram que precisávamos mudar o nome, porque ‘ultra’ era algo bom. Mas, claro, na nossa teoria, nem sempre o processamento é o melhor. Ao contrário.
Como fazer os preceitos do Guia Alimentar para a População Brasileira se incorporarem na dieta da nossa população? Em outras palavras, como fazer o brasileiro retomar o arroz com feijão? Alguns países começaram a taxar os ultraprocessados, e o Brasil está discutindo a reforma tributária.
Mas temos uma briga de Davi e Golias com a indústria, que tem potencial para se antecipar às políticas. Ninguém está falando em proibição, mas na maior regulação da categoria. Por que eles são tão ruins para a saúde? Os ultraprocessados têm substâncias estranhas para o corpo, afetando o pâncreas, os rins, o microbioma… O alimento é algo que vai até a última das nossas células.
Fonte: @ Veja Abril